Os slogans abaixo foram extraídos do romance 1984, de George Orwell, e parecem cair como uma luva à
realidade que estamos vivendo hoje no Brasil
1
“Quem
controla o passado controla o futuro: quem controla o presente controla o
passado.”
Este slogan do
partido aparece duas vezes no romance, uma vez no Livro Primeiro, Capítulo III,
quando Winston está pensando no controle do partido sobre a história e a
memória, e uma vez no terceiro livro, capítulo II, quando Winston, já
prisioneiro do Ministério do Amor, conversa com O'Brien sobre a natureza do
passado. O slogan é um importante exemplo da técnica usada pelo partido de
falsear a história para solapar a independência psicológica de seus súditos. O
controle do passado garante o controle do futuro porque o passado pode ser
tratado essencialmente como um conjunto de condições que justificam ou
encorajam objetivos futuros: se o passado foi idílico, as pessoas irão agir
para recriá-lo; se foi um pesadelo, as pessoas atuarão para evitar sua
repetição. O partido forja um passado feito de miséria e de escravidão para em
seguida proclamar-se o libertador da raça humana, obrigando assim, as pessoas a trabalhar para as metas do
partido.
O partido tem
poder político total no presente, permitindo-lhe controlar como seus súditos
pensam e interpretam o passado: todo livro de história reflete a ideologia do
partido e os indivíduos são proibidos de manter lembranças de seu próprio
passado, como fotografias e documentos. Com isso, os cidadãos da Oceania têm
uma memória muito curta, enevoada, e estão dispostos a acreditar em qualquer
coisa que o partido lhes diga. Na segunda vez em que essa citação aparece,
O'Brien diz a Winston que o passado não tem existência concreta e que só é real
na mente dos seres humanos. Em essência, o que O'Brien está dizendo é que esse
passado em que as pessoas acreditam, sendo a versão criada pelo partido, sem nenhuma
base em fatos reais, tornou-se de fato a verdade.
2
Guerra é
paz
Liberdade é
escravidão
Ignorância
é força
São essas as
palavras de ordem oficiais do partido. Estão inscritas em letras enormes na
pirâmide branca do Ministério da Verdade, como observa Winston no Livro
Primeiro, Capítulo I. Introduzido logo no início do romance, esse credo serve
como primeira introdução do leitor à idéia do duplipensar. Minando a
independência e a resistência das mentes dos indivíduos e forçando-os a viver
em constante estado de propaganda induzida pelo medo, o partido se torna capaz
de obrigar seus súditos a aceitar qualquer coisa que venha a impor, mesmo que
totalmente ilógica (por exemplo, o Ministério da Paz é responsável pelas
guerras, o Ministério do Amor é responsável pela tortura política e do
Ministério da Verdade é responsável pela adulteração dos livros de história
para que espelhem a ideologia do partido.
Que o slogan
nacional do país seja igualmente contraditório é prova importante do poder que
o partido detém para manter o controle psicológico da população através de
campanhas em massa. Teoricamente, o partido pode afirmar que “guerra é paz”
porque ter um inimigo comum mantém o povo unido. “Liberdade é escravidão”
porque, de acordo com o partido, o homem que é independente está fadado ao
fracasso. Da mesma forma, “escravidão é liberdade” porque o homem submetido à
vontade coletiva está livre do perigo e da carência. “Ignorância é força”
porque a incapacidade das pessoas em reconhecer essas contradições consolida o
poder do regime autoritário.
3
No final,
o Partido anunciaria que dois e dois são cinco e você teria de acreditar. Era
inevitável que fizessem tal afirmação cedo ou tarde: a lógica da posição deles
assim exigia. Não apenas a validade da experiência, mas a própria existência da
realidade externa eram tacitamente negadas pela filosofia do partido.
Essa citação
aparece no Livro Primeiro, Capítulo VII, quando Winston olha um livro infantil
de história e se maravilha com o controle da mente humana pelo partido. Esse
trecho aponta especificamente para a questão da manipulação psicológica. Nesse
caso, Winston considera a exploração, pelo partido, de seus amedrontados
súditos como um meio de suprimir a noção intelectual da realidade objetiva. Se
o universo existe apenas mentalmente e o partido controla a mente, então o
partido controla o universo. “Afinal”, pensa, “como sabemos que dois
e dois são quatro? Ou que a força da gravidade de fato funciona? Ou que o
passado é imutável? Ora, se tanto o passado quanto o mundo externo só existem
na nossa mente e se a própria mente é controlável, então...” A expressão
aritmética 2 + 2 = 5, portanto, torna-se um motivo ligado ao tema da
independência psicológica. No início do romance, Winston escreve que “liberdade
é liberdade de dizer que dois mais dois são quatro”. Esse tema completa o
círculo no final do romance depois que a tortura sofrida por Winston no
Ministério do Amor lhe acabrunha o espírito; ele senta-se a uma mesa do
Chestnut Tree Café e rabisca “2 + 2 = 5” no pó da mesa.
4
E quando
faltou a memória e foram falsificados os registros escritos, a alegação do
partido de que melhorou as condições da vida humana tinha de ser aceita, pois
que não existia, e nunca mais poderia existir, qualquer padrão contra o qual
essa alegação poderia ser testada.
Esta citação
do Livro Um, Capítulo VIII, enfatiza como a compreensão do passado pelo
indivíduo afeta sua atitude quanto ao presente. Winston acabou de ter uma
conversa frustrante com um velho sobre a vida antes da Revolução e se dá conta
de que o partido começou deliberadamente a enfraquecer a memória das pessoas a
fim de incapacitá-las a contestar as afirmações do partido sobre o presente. Se
ninguém se lembra da vida antes da Revolução, então ninguém pode dizer que o
partido fracassou em relação à humanidade forçando as pessoas a viver em
condições de pobreza, sujeira, ignorância e fome. Pelo contrário, o partido usa
livros reescritos de história e registros falsificados para comprovar suas boas
ações.
5
E você
pode talvez fingir, depois, que foi apenas um truque e que não estava falando a
sério. Mas isso não é verdade. No momento em que disse, você estava, sim,
dizendo o que pretendeu dizer. Você acha que não há outro jeito de se salvar e
está disposto a se salvar assim. Quer que aconteça com outra pessoa. não dá a
mínima ao que os outros sofrem. Tudo que lhe importa é você mesmo.
Julia profere
essas palavras de Winston no Livro III, Capítulo VI, quando discutem o que lhes
aconteceu no quarto 101. Ela diz que queria que a tortura que sofria fosse
transferida a ele, e ele responde que se sentia exatamente da mesma forma.
Esses atos de traição mútua representam a vitória psicológica final do partido.
Logo após suas respectivas experiências no quarto 101, Winston e Julia são
libertados, pois já não representam ameaça ao partido. Aqui, Julia diz que,
apesar de seus esforços para sentir-se melhor, sabe que, para se salvar, ela de
fato queria que o partido torturasse Winston. No final, o partido prova a
Winston e a Julia que nenhuma convicção moral ou lealdade emocional é forte o
suficiente para resistir à tortura. A dor física e o medo sempre levarão as
pessoas a trair suas convicções se isso for necessário para cessar o seu
sofrimento.
Winston chega
a uma conclusão semelhante durante seu próprio calvário no Ministério do Amor,
fazendo culminar, assim, o tema do controle físico do romance: em última
instância, o controle sobre o corpo proporciona ao partido o controle sobre a
mente. Tal como ocorre com a maior parte das técnicas do partido, há uma tensão
extremamente irônica que permeia o duplipensar: o auto-amor e a
auto-preservação, componentes subjacentes do individualismo e da independência,
levam à dor, ao medo e ao sofrimento, levando o indivíduo no final a aceitar os
princípios do coletivismo anti-individualista que permite ao partido prosperar.